sexta-feira, 1 de junho de 2007

Abstrações de binóculo

E, como já queria supor, o medo se apresenta em sua face oculta, lua azul, redesenhando o que há de sonho ou realidade onírica. Era aguardada sua chegada, talvez não pra já, talvez não pra ontem, talvez não assim apresentado em suspensão, com tanta classe. Medo propondo brincadeira; não fará a brincadeira; já está a brincar, eu sei, eu vejo, não sinto porque não quero.Peculiaridade tragicômica controlar o sentir e não deter a razão. Nada culpo senão a mim. Entendo tudo, entendo tanto, mas pouco tem me servido tamanha compreensão se a dor é a mesma, implacável em sua duração centesimal. Recentemente adquiri um hábito bastante infeliz de prever a dor a ser doída, talvez apenas algo Fernando Pessoa: ser fingidor; "só as que ele não tem", as que ela não tem, ela não tem dor alguma, mas precisa um pouco delas. Talvez ela não sinta dor porque nada sente que seja real, e se seu coração for só fantoche da razão? E se ela for invenção de si mesma? Ora, todos somos nossas invenções, mas e se ela acreditava não ser e é? E se ela acreditava realmente existir? E o Medo? Ela também pensava que ele era bom, mas quem disse que não é? E os olhos profundos, infinitos? Mas porque o silêncio na despedida? Seria a certeza da volta ou da partida? Estaria ele levando o que de sua alma tinha deixado com ela ou apenas indo até ali pra voltar logo? Aliás, será que isso importa? Importa pra quem? Por que tentar entender quando os olhos são profundos? Acredito em Leminski, o olhar é longo quando não estamos pelo avesso, o olhar era eterno, eu sei, ela me contou, então era o lado direito, só podia ser. Ela acreditava nele porque sentia, não pensava.E se ela fosse ( o que de certo é) diferente de mim e fosse o coração incontrolável manipulador da mente? E se o Medo tivesse outro nome? E se ele estiver voltando, se só foi até ali resolver alguma coisinha em sua vida inteira e bastou virar as costas para ela se pôr a duvidar de tudo? Não culparia o Medo se ele nunca mais quisesse voltar diante de tamanha desconfiança, não culpo o Medo nunca. Também não culpo a ela. Nada culpo senão a mim.

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