sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Passos

"E aquele garoto que ia mudar o mundo, hoje assiste
a tudo em cima do muro."



E é assim que a banda toca. Subitamente, notamos não ter controle de coisa alguma. Pessoas surgem com estranhas idéias cabais, o amor segue com todos seus caprichos nos fazendo perder o eixo e o rebolado. De pronto, precisamos nos retocar e seguir em frente como se nada houvesse que incomodasse. E é assim o vai da valsa. A vida nos leva sem que possamos obedecer nossos planos. Possivelmente, fazendo-se um balanço dos últimos 10 anos, descubramos que estamos anos luz distantes do que pensávamos nos tornar. Sobrevivemos, é fato, construímo-nos, consquistamos, mas e a ópera rock que estrelaríamos? transmutou-se, quem sabe, em um comédia de costumes. E a revolução, e o mundo justo, as caras pintadas, a militância sobre carros de som? E a educação que salvaria o mundo? A popularização da cultura, das artes? O discurso em tom vermelho? (se até seu Fidel desistiu...). O orgulho dos recortes de jornal, a poesia beatnik, e o Kerouac? A poesia dá lugar a prosa, os copos passam a encher-se de líquidos mais caros, vindos de mais longe, a distância, porém, também aumenta. Passamos a nos encontar em novos personagens, menos ousados, menos impetuosos. Cultivamos o equilíbrio que nos irritava outrora. É necessário. Por vezes negamos ideais para que possamos caber no mundo e passamos a compreender Pedro. Tornamo-nos crescidos e corruptíveis, inevitavelmente adulterados. A paixão intimida-se, devemos agradar o capital. De repente percebemos que há muito mais de nossos pais em nós do que, por muito tempo, haverá de nós em nossos filhos. Quem somos? Tratamos de lotar nossas agendas e nossas mentes para que não precisemos pensar nisso nunca mas nos momentos de descuido, quando nos encontramos conosco , fica claro que nem de longe fora esse o plano; à decepção damos outros nomes, pintamos com tintas coloridas e seguimos orgulhosos de nosso único talento plenamente desenvolvido: esquecer os sonhos e compor a matilha. Mudar, requer coragem, audácia ou amor. Alguns tentam, poucos conseguem. Eu amo e insisto. Fecho os olhos em busca da luz. The show must go on.

Gritos

Dias longos, noites eternas e o sonho pulsa profundo em meu peito. Não sei esquecer, não sei partir, em cada instante que o amor parece esfacelar-se e penso em parar de sentir vem você e seus olhos raros pedindo para entender que está aqui e não quer partir. Não é simples entender o amor propositalmente ausente, acredito pois acredito em tudo o que há em nós, mas não entendo. Não entendo sua doce habilidade de se esconder e sublimar o sofrimento, não entendo a certeza profunda e inabalável de que estarei aqui todo o tempo. Talvez não entenda porque é você e seu amor fenotipicamente efêmero.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Neo-clássico pós- moderno

Em um momento, nada propício, lembrei-me de Nietszche e seu “amor fati”. Gastamos a vida tentando consertá-la, procurando outra para amarmos, e ela passa. Meteórica e fria, a vida não se importa com nossas buscas. Corre blasé, regada a dry martini, pisoteando com seu salto agulha qualquer espectro dubitavelmente poroso que haja em nós.
Na densa luta por nossos ideais, corremos atrás da glória da discordância. Luta em glória. Lógica platônica. Não somos o que queremos ser, tendemos a ser apenas o contrário do que esperam que sejamos.Ainda que a resistência não se dê de modo efetivo, alimentamo-na dentro de nós, operando em um universo de anarquismo niilista.
Até a lógica existencial se perfaz da distorção subjetiva: engendramos uma existência lacônica sobre prolixas faláceas psicologizadas do ser.
O amor, pobre, amor, perde-se em meio ao redemoinho de lógicas de banca de revistas, que propõe razões para sentir e desfaz sua mais profunda dimensão, que é ser. Um dia ouvi um discurso sobre a grandeza do amor estar em amar-se apesar dos acontecimentos; não, a grandeza do amor está em amar, sem pesares a pesar. O amor extingue pesares, amando tudo são belas verdades reais e não fantasiosos ressentimentos construídos. Se é posta a possibilidade do pensamento sem vírgulas, proponho, aqui, amar sem vírgulas. Não pensar em planos, amar somente. Despudoradamente. O que o outro vai pensar? Se o amor tiver dois pólos, não pensará nada além da beleza de um sentimento inteiro e recíproco. Entretanto, se a dose de reciprocidade for menor, cabe a nós compreender e ponderar a grandeza de nosso próprio sentimento. Pois, se pensarmos em uma cor para o amor, ele deve ser verde, organismo clorofilado, só nos cabe iluminá-lo e ele cuida do resto. O amor é organismo produtor por excelência, é ele, em suas mais variadas formas, que mantém o ritmo do universo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Fragmento inacabado IV

Porque tudo o que há em nós perpassa o universo de desejos que nos move. Entre o amor, a felicidade plena, os objetivos práticos e os sonhos impossíveis, está nossa divina alma humana. Um dias desses, uma amiga me disse que eu não estou sozinha quando escrevo. Nunca acreditei nisso, mas os últimos acontecimentos fazem-me entender que é uma explicação cabível. Deve ter muita gente brilhante comigo, disse ela, gente com um delicioso senso de humor, articulada e inteligente, gente que não gosta de dor e só está comigo quando brilho como eles pois não vêem razão para o sofrimento posto que há infinitas possibilidades mais interessantes no universo. Eles sublimam a dor, assim como eu. Diferentemente deles, entretanto, eu sou humana e, às vezes, a dor surge nada sublime, congela nossos ossos, nossos desejos, nossos valores. Por vezes, surge com tanta força que nos resignamos e aceitamos sofrer tudo o que for necessário desde que, após sangrar, acabe, mas, caprichosamente, há dores itinerantes, que nos alimentam e ferem, essas, em geral, vem com o amor, são duas faces da mesma indescritível moeda. Amor prediz sofrimento, mas como seria viver sem ele? Livrar-se da dor e , ao mesmo tempo, dos sonhos? Crer apenas em uma cinza realidade imutável que subjaz qualquer esperança de magnitude? Penso que eu não queira isso, não sou assim, sou intensa, preciso ser para dormir em paz. Tampouco acredito que eles queiram isso de mim. Só preciso equilibrar meu espírito para melhor entendê-los, respirar fundo e respeitar a dimensão colossal desse amor sem o qual falta-me o chão, falta-me o ar.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Fragmento inacabado III

Penso qual seria a diferença entre inspiração e vontade. O exercício da escrita não depende, necessariamente, de inspiração, mas sinto que falta-me vontade. Aliás, esse pequeno fator que move a humanidade tem me faltado em inúmeros aspectos da minha vida. Não quero escrever porque não tenho nada de bom para dizer e narrar o sofrimento já é temática ultrapassada e esgotada.

domingo, 14 de setembro de 2008

It feels like bossa nova by Jobim

Penso em Montevidéu, incrível a aproximação de sentimentos entre mim e o poeta. Por vezes penso que Vinícius escreveu minha vida de forma premonitória e Tom musicou. Aliás, penso que minha vida seja constantemene acompanhada por uma sutil bossa nova: minha alma é antiga.
Lembro-me de outras autorias, de minha primeira bossa nova. Encontro o que sempre quis, para toda minha vida, um elogio inigualável, inacreditável como meus dedos nunca esqueceram esses acordes. É bela a releitura. Profunda a sensibilidade. Certamente o retrato de algum amor indescritível, incompreensível, talvez indizível, poeta.

"The solution to my dilemma
you're my girl from Ipanema
inspiration for my samba in slow motion
you're the top, you're my devotion
my slow motion Bossa Nova dream"

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Divagações inacabadas sobre o amor maior

Há algo novo dentro de mim que não sei nomear, tampouco sei entender. É uma enorme certeza da dúvida atrelada ao desejo de pôr à prova o que é dito tão certo e profundo. Sinto-me grandemente só. Nesse momento, talvez encontre certo desconforto na solidão, sensação importante em contexto estrangulador. Penso que sou o que tenho de meu: eu mesma e tudo o que sou capaz de sentir. Meu amor é meu, como o são todos os meus desejos e planos, entretanto, nada têm de meus os objetos de meu sentir. Respiro fundo, concentrando-me em manter minha alma plena da tranquilidade e segurança que aprendi a fingir. Sinto medo, muito medo de perder meu sonho e ter de viver em companhia da certeza de meu pouco valor diante dos olhos e projetos do eterno amado, confio, porém, em sua grandeza de alma e sigo apoiada em nossas verdades. Meu coração treme, minha alma congela, mas já senti tudo isso antes e ele continua aqui, todos os dias, fazendo-me acreditar em seu amor. Por que o faria se fosse falso? Seu mundo prático não precisa nem de minha sombra, pelo contrário, talvez eu venha a desordenar a lógica tão penosamente construída. Mas, e se, à parte a prática ou a lógica, for eu o seu mundo e minhas formas casarem perfeitamente com o contorno dos sonhos dele? E se, no limite dos acontecimentos, tudo o que adoraria desejar é reconhecer-me? Sinto enorme vontade de chorar como criança protegida por seu abraço, assumir meu pavor diante do amor que me foge ao controle, dizer-lhe que não quero saber ser só, quero saber ser sua e sinto sua falta o tempo todo, de modo que, seguidamente, parece que o ar me falta e preciso de sua presença para voltar a respirar. Não lhe digo isso nunca, ao menos, não digo assim, mas queria poder dizer de uma forma que não fosse compreendida como o preço de meu amor, que é inestimável. Queria poder dizer-lhe em palavras exatas que ele é minha vida e todos os meus sonhos e projetos estão em torno do que sou a seu lado, e só consigo compor meu caminho no tempo de seus passos, não há meio termo possível.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Fragmento inacabado II

Quando o universo torna-se pequeno frente a presença grandiosa de quem desejamos ser, a lua projeta sombras esquálidas de desejos antes únicos e imprescindíveis. Passamos a ver-nos fortes, completos e indestrutíveis, presença do que desejamos ser, faz o que somos andar com o que temos e o mundo se perpetua intensamente possível. O cotidiano adquire tons e dimensões só encontradas no primeiro minuto da aurora.O universo conspira a favor da imensidão azul que envolve tudo o que há de suave e belo. Nada se perde, tudo se multiplica e retorna ao cerne do que desejamos ser.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Fixação púrpura

Hoje, preparando o jantar, imersa em pensamentos gastro-literários, encontrei uma personagem que me levou a indagar qual fora o mote cantado aos deuses, em sua forma una ou plural, no momento da criação do mundo. Lá estava ele, espantando-se com minha pueril atenção dispensada a beleza tão cotidianamente esquecida. Lá estava ele, do cerne de sua púrpura existência, envaidecendo-se com o olhar de desejo da jovem dona de casa de avental vermelho. Lá estava ele, empalidecendo diante dos movimentos ameaçadores daquela mulher, que queria parti-lo, aquecê-lo, degluti-lo. Lá estava ele, feito em tantos pedaços, que não mais sabia se fora algo antes de cair no agudo fio daquela navalha em unhas vermelhas. Lá estava ele, afogado nas angústias dela, mergulhado em um calor desconhecido de seus genes antociânicos. Lá esteva ele, vendo seu sangue azul escorrer por aqueles longos dedos de mulher. Lá estava ele, partido, entregue a seus caprichos apimentados. Lá estava ele, exposto ao paladar de outros. Lá estava ele, observando o prazer nos olhos dela. Lá estava ele, repolho roxo, tão belo a meus olhos de poeta que, seguindo a lógica do socialismo biológico, não poderia, de fato, ser aprazível a meu fino paladar linguístico.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

A complexa explanação do óbvio

Daria meu reino por saber como traduzir a infinitude de pensamentos que há dentro de mim. Trocaria alguns de meus dias para compreender o que faz o sangue correr em minhas veias, o que instiga as sinapses entre meus dendritos e axônios . Premiaria com três noites no Hôtel Costes qualquer um que pudesse explicar porque o amor teve de ser tão grande e estrondoso. Ressuscitaria Billie Holliday e Dolores Duran para uma profunda conversa sobre os sentidos da dor, regada a whisky sob a aura de fumaça das divas. Convidaria Mr. Hancock e seu chegado, Mr. Gautama, para uma simpática conversa descompromissada sobre seus ofícios. Ficaria só com você ouvindo o mar e contando estrelas às 10 da manhã. Ficaria só por você. Mergulharia em uma multidão para encontrá-lo entre tantos, encontrar-lhe-ia, entretanto. Deixaria de ver pela lembrança de seu olhar. Viveria surda para todos os sons, por ouvir infinitamente sua voz em meu ouvido. Juntaria James Brown e Jorge Ben sem o Jor para nos fazer dançar. Traria Vinicius para me ensinar só a pensar e sentir, sem tentar entender, deixando à poesia as palavras. Dançaria salsa em Cuba para causar-lhe ciúmes. Correria o Central Park de Manolo com solas virgens para dizer que o amo por todos os cantos de Manhattan. Ofereceria a você, mil vezes, o verde mar do Embaú, mais belo que todo o Pacífico. O ápice do Embaú de altitude, seria o ponto de partida para nossos sonhos. Seriam suas todas as minhas idéias e desejos, ouviria cada um dos seus, permitiria, porém, sempre que seus olhos pedissem, que a casa se enchesse de nosso silêncio cúmplice. Far-lhe-ia entender que só poderia ser por mim seu primeiro sorriso sob o sol e o noturno peso de seus olhos. Seus sonhos serão sempre meus. Meus sonhos serão sempre seus. Somos nós, é você, sou eu.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Special thanks to myself

Tudo acontece porque estou aqui e é essa pessoa que gosto de ser. As idéias existiram sempre, estavam apenas guardadas, sem razão para vir ao mundo, a doce lembrança do que gosto de ser fez com que as resgatasse e as trouxesse à luz, algumas delas ao menos; outras, ainda prematuras, continuam na gaveta - era mais romântica a época em que escritores de gaveta realmente as utilizavam- e outras tantas, talvez já prontas, correm aí pelo mundo querendo ser encontradas. Todos os dias, relembro a lição que certa manhã recebi de mim, como a pessoa que gosto de ser, e concentro-me em pensar sem vírgulas, o resultado é estrondoso, embora exija um certo controle de foco ainda a ser aprimorado. Todos os dias, busco idéias no infinito, soluções no cotidiano. Entretanto, nem todos os dias são fáceis e as soluções, muitas vezes, pulverizam-se e não as enxergamos. Aprendi sobre mim que tenho falhas a corrigir, mas estas aliam-se a grandes qualidades que aprecio e reconheço: sou divinamente humana. Gosto de olhar no espelho e descobrir-me como sou. Declaro meu amor a mim, à pessoa que gosto de ser, e é a ela, à pessoa que gosto de ser, que devo toda a minha inspiração.

Provocações pós- modernas

“Narcisismo: forma inédita de apatia
feita da sensação epidérmica ao mundo e, ao mesmo tempo,
de indiferença profunda em relação a ele.” ( G. Lipovetsky)


Quarta-feira, dezenove horas. Ela salva seus arquivos, repassa a agenda, desliga o computador, sai em direção ao elevador, uma parada no toalete, confere sua aparência no espelho: sim, estava bem, aquele modelo de saia cai sempre bem em seu corpo. Despede-se de algumas pessoas sem nome. Chegando à garagem, entra em seu carro, ajeita o espelho, mais uma olhada em sua imagem, liga o rádio e parte para o trânsito. Em meio a uma multidão de veículos, ela é uma notável anônima, como tantas outras vidas tão importantes que cruzam a sua na via expressa.
O celular toca, ela ativa o viva-voz, entende o risco de dirigir segurando o telefone, havia marcado o jantar com uma velha amiga, conheceram-se na faculdade, ambas com sólidas aspirações profissionais, porém também mulheres, bonitas, cultas, sensíveis, tornarem-se amigas, afinal, era dificílimo encontrar pessoas com tantas qualidades, deveriam ter jantado juntas na segunda, mas ela teve uma reunião, remarcaram para hoje, entretanto, agora é a velha amiga quem está presa em um projeto enorme. Não havia problema algum, marcariam para outro dia, próxima semana, sabia que aos fins de semana a velha amiga tinha os filhos, o casamento, ela ficaria torcendo para que tudo desse certo.
Seguir para casa. Teria de providenciar algo para jantar, avisara a empregada que não jantaria em casa. Ela ainda lembra que em um passado não muito distante, adorava chegar em casa após o trabalho e cozinhar para o marido, mas agora ele não estava mais lá, recebera uma proposta irrecusável de trabalho no exterior, ela não podia abrir mão de sua carreira promissora: ficou, ele partiu. Não faria sentido ambos distantes e sozinhos, veriam outras pessoas, até o divórcio, pensariam. Ela ainda gostava muito de culinária, mas era triste cozinhar para ninguém, até porque ela era uma profissional bem conceituada, bem remunerada, poderia admirar a culinária dos melhores restaurantes do mundo, não havia razão alguma para pensar em ficar com cheiro de cebola nas mãos para fazer o jantar para a família todos os dias. Aliás, a família implicaria filhos, filhos implicariam seu corpo deformado, gordo, cheio de marcas, depois nunca mais haveria privacidade, individualidade, a vida dela jamais seria só dela, teria de dividir amor, espaço, alegria. Não, ela era uma executiva de sucesso, não havia espaço para tais banalidades em sua vida.
Pára o carro diante do belo edifício, o carro é identificado, abre-se o portão. Há mais pessoas aguardando o elevador, ela diz boa noite: não os conhece, não a conhecem. Em seu confortável e silencioso apartamento, um banho demorado, após um dia produtivo de trabalho. Comida japonesa delivery, uma taça de vinho, um pouco de televisão,música, um bom livro, uma olhada na agenda do dia seguinte: absolutamente repleta de reuniões importantíssimas entre as 10 e as 19, o restante do tempo, preenchido por compromissos inventados e pintados como imprescindíveis, ainda sobrando no final da noite, quando as luzes do mundo começam a se apagar e as resoluções importantes não tem cabimento, tempo para uma profunda solidão infinita, plena de si mesma.

Grey shoes

Quero um par de sapatos cinzas para o dia de meus anos. Preciso de sapatos cinzas que combinem com o belo vestido que ganhei de minha mãe. Ele me acompanha a busca dos sapatos cinzas. Encontraremos todos os nossos amigos em um lugar interessante e divertido. Meus pais também vão. Gostaria de organizar um jantar regado a vinho branco para eles todos, mas ficaria mais complicado, dinheiro, desordem, não teremos tempo, o bar é mais prático. Concordo , mas quero um par de sapatos. Ele vai comigo. Penso que, talvez, seja isso o casamento. Ele não quer efetivamente passar uma bela tarde de sol em um feriado procurando sapatos, menos ainda sapatos cinzas, menos ainda sabendo que, para combinar com o vestido estranho que minha mãe me deu, há um par de sapatos roxos em meu armário onde não cabe mais nenhum par de sapatos. Ele sabe disso porque eu disse que havia sapatos roxos, outra cor pouco ortodoxa para sapatos, eu jamais reclamei a falta de espaço em meu armário.Ele tem sapatos pretos, marrons e beges, uns dez pares, usa quatro, os outros estão meio ralados, entendo a incompreensão de minha necessidade de sapatos cinzas, roxos, verdes, prateados, dourados, amarelos, vermelhos, envernizados, muitos dos quais possivelmente serão usados apenas uma vez. Mas ele vai comigo. Procura os sapatos que não existem no mundo real, como tudo o que eu busco. Ele está a meu lado. Seria isso o amor? Gastar seu dia procurando algo de que você não precisa e sabe que, efetivamente, o outro também não precisa e, correndo de encontro ao pensamento minimamente racional, sabe que há uma chance em mil de encontrar? Sei que a paixão não é isso. Apaixonados, nunca pensamos que não precisamos do que o outro quer, muito menos achamos que não é estritamente necessário a ele. Apaixonados, acreditamos que tudo o que o outro pensa ou deseja é pleno, irretocável e indiscutível. Ele já pensou assim, já agiu assim, já foi apaixonado, apenas. O amor é diferente. Amando, conseguimos aceitar as atitudes e decisões do outro mesmo que discordemos delas. Conseguimos participar das coisas importantes para o outro, mesmo que aquilo nada signifique para nós e, mesmo distantes, partilhamos nossos mundos. Quando amamos, desgostamos de infinitas coisas e, ainda assim, entendemos. Por amor, passamos tardes buscando sapatos cinzas e uma eternidade desejando as melhores coisas do mundo a ele, a mim. E fazemos nosso os nossos sonhos, dedicamos a ele, nossos projetos. Aceitamos, acreditamos e lutamos por doses de felicidade, ao menos diárias. Por todos os dias de nossa vida.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A sublime razão do caos

Agora, como sempre, sinto saudades presas a lógica ridícula do amor: perco o que não tenho e recupero o que nunca ganhei mas, ainda assim, reservo-me o direito de possuir. Não preciso pensar muito para concluir que nada tenho de meu a não ser desejos, idéias e aspirações. Projetos. Pilhas subjetivas de projetos inacabados sem começo. Procuro entre minhas posses bens de terceiros e encontro projetos em andamento, com outros nomes. Separo a vida em alguns pares de esferas coloridas e gasto tempo equilibrando-as, não posso soltar as mãos. Derrubá-las implica coragem de correr atrás de roliças estruturas fugitivas, outros me olhariam, não quero que me olhem. Quero profundamente ser notável anônima.As pessoas me entediam, não quero falar, faculdade hipócrita mal distribuída a tantos que não tem o que dizer. Há poucos minutos, quis chorar, mas não encontrei meu bem perdido e não chorei, mesmo querendo. Não posso chorar sabendo que o que tenho está por aí, pertencendo a quem não sou eu. Escuto passos, escuto tudo. Nesse instante escuto o som de meu objeto perdido, escuto ou crio, nunca compreendo a distinção. Quero anunciar o desaparecimento de um bem inestimável. Chamar a polícia e a imprensa.Quero desesperar-me diante dos que me são caros. Quero incomodar o mundo com meu destemperado surto. Nada faço frente a idéia de querer. Quero encontrar minha jóia, por isso nos temos, o encontro real, propõe perda possível, não encontro, não perco. Quero ainda chorar. guardarei todas as lágrimas para meu amuleto e seu retorno intacto. Perco-me pois tenho a mim, o reencontro, porém, se dá poucos passos a diante.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Fragmento inacabado I

Num átimo, eclode o que há tempos mantinha escondido no peito, sob a roupagem de coragem, de desapego. Ela não precisa de muito, pois esforça-se para se resolver, mas ali, naquele acontecimento tão incrivelmente banal, percebeu que pouco, quando faz-se no mundo, arrisca se tornar nada facilmente.

Ela arriscou, não sabe ser diferente. Não sabe dever pois entende-se livre, por isso não pede. Certamente seguirá assim, frustrar-se-a em alguns momentos, mas passa. Enquanto isso, mantém-se plena de uma individualidade supra- racional que a conduz a uma existência ímpar onde as afetações externas são poucas, mas são.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Por hora, após milhares delas

Tudo está acontecendo em velocidade meteórica. Fico pensando, claro que a cada trinta segundos penso uma coisa diferente, mas nesses exatos trinta segundos penso se não é o universo conspirando a meu favor. Não podemos dosar as reações dos outros pelas nossas, tampouco podemos medir o amor que nos é oferecido pelo que temos a oferecer. Será que não é comodista demais achar que qualquer amor serve? Será que acredito, realmente, em um amor que machuca, prende, limita, duvida? Será que um amor que tolhe é mesmo amor? É amor aquele que acusa? Talvez a questão não seja nem mesmo ser ou não isso amor. Talvez até o seja de alguma forma, para alguém. Mas será esse o tipo de amor que quero para mim? Sei que não é dessa forma que amo. Sei que meu amor sempre existiu apesar de tudo. E isso não implica amar com pesares, é só amar. Perdoar, entender, ou mesmo sublimar e não tentar entender. Talvez esteja errado, mas é assim que sou e é assim que sei ser. Posso me ferir por isso, claro, mas nada me mata porque sei que mesmo ali, onde a dor se instala, o amor é maior e será sempre. Talvez seja o universo dizendo: ei, você é maior que isso! Talvez seja meu coração cansado gritando: eu mereço mais que isso!