quinta-feira, 4 de março de 2010

Ao novo Ano Novo, sem hífen

Receita de ano novo
(Carlos Drummond de Andrade)


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Rosa de Hiroshima

Em alguns momentos, nada faz sentido. O clima não faz sentido, o dia não faz sentido, nossos sentidos não fazem sentido. Não há vontade de gritar ou de falar por não ter o que dizer. Talvez seja minha personalidade verdadeiramente de flor, sem o sol, minhas pétalas fecham-se e a cor se apaga. Mas quero ser uma flor, quero a delicadeza doce de um cuidador que sorri frente à beleza. A questão é que, repentinamente, não entendo mais a mim. E não entendo essa mania burramente absurda de sentir. Sei que sou suficientemente forte, mas quero o direito de ser frágil, o divino direito de ser flor, apenas. Desejo ser apenas uma mulher e ser amada, amada por quem amo, sem duvidar disso por medo de ter meu amor fracassado ao descobrir que não sou amada como amo. Então invento, então jogo, então arrisco. Mas só o que quero, só o que desejo profundamente é seu peito amparando meu medo, seus braços amparando minha insegurança. É só o que quero, e é tanto, que tenho medo de ter.