segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Fragmento inacabado IV

Porque tudo o que há em nós perpassa o universo de desejos que nos move. Entre o amor, a felicidade plena, os objetivos práticos e os sonhos impossíveis, está nossa divina alma humana. Um dias desses, uma amiga me disse que eu não estou sozinha quando escrevo. Nunca acreditei nisso, mas os últimos acontecimentos fazem-me entender que é uma explicação cabível. Deve ter muita gente brilhante comigo, disse ela, gente com um delicioso senso de humor, articulada e inteligente, gente que não gosta de dor e só está comigo quando brilho como eles pois não vêem razão para o sofrimento posto que há infinitas possibilidades mais interessantes no universo. Eles sublimam a dor, assim como eu. Diferentemente deles, entretanto, eu sou humana e, às vezes, a dor surge nada sublime, congela nossos ossos, nossos desejos, nossos valores. Por vezes, surge com tanta força que nos resignamos e aceitamos sofrer tudo o que for necessário desde que, após sangrar, acabe, mas, caprichosamente, há dores itinerantes, que nos alimentam e ferem, essas, em geral, vem com o amor, são duas faces da mesma indescritível moeda. Amor prediz sofrimento, mas como seria viver sem ele? Livrar-se da dor e , ao mesmo tempo, dos sonhos? Crer apenas em uma cinza realidade imutável que subjaz qualquer esperança de magnitude? Penso que eu não queira isso, não sou assim, sou intensa, preciso ser para dormir em paz. Tampouco acredito que eles queiram isso de mim. Só preciso equilibrar meu espírito para melhor entendê-los, respirar fundo e respeitar a dimensão colossal desse amor sem o qual falta-me o chão, falta-me o ar.