quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Naquela mesa

“E nos era tanto brilho que mais que seu filho eu fiquei seu fã.”

Ele acordava tarde, dormia também muito tarde. Resultado de anos virando noites, fazendo emendas na revisão dos grandes jornais de São Paulo. Em alguns momentos, todos ao mesmo tempo.

Ele tinha muitos livros, sua estante era, sob meu prisma infantil, muito maior do que qualquer muralha de contos de fadas. Ele sempre contava histórias, mas não me lembro de contos de fadas. E aqueles livros, ele lera todos, por isso eu achava que ele era a pessoa que mais sabia de tudo no mundo. E ele era.

Hoje, a tal estante está no escritório da casa do meu irmão e me parece tão menor do que era na época em que escondia todos os segredos e a sabedoria dele. O crucifixo que ele carregava no pescoço também está com meu irmão, que carrega também seu nome, cujo significado-pequeno- traduz grandes homens.

Ele falava baixo e suas longas histórias sempre tinham uma importante lição com notas de ironia que poucos conseguiam captar.

Quanto aos livros daquela estante, nossa herança como ele dizia a mim e a meu irmão, seus netos e grandes amores, nos esforçamos para levá-los conosco em nossa mente como ele fazia, não é fácil e talvez seja uma tarefa apenas pra gênios como ele.

Ele não me conheceu adulta, não aqui, não de perto, e como me faltam seus conselhos. Como me falta mostrar a ele com as mãos trêmulas meus escritos e esperar sua opinião. Como me falta tê-lo sentado naquele lugar da mesa que era só dele, como me falta.

Com meu avô aprendi uma profissão, mais que isso, uma paixão. Descobri um universo onde me sinto inteira e segura, confortável. Meu avô me ensinou as palavras em toda sua essência de beleza e poder e hoje, a cada glória ou medo que me faz tremer como criança, só o que desejo é aquela conversa com ele que não teve tempo de acontecer, em que ele me diria pra onde devo seguir e eu acataria sem ressalvas. Apenas por saber sua grandeza.

A meu herói, meu professor, meu mestre, meu espelho.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Teoria cotidiana do caos

Então acontece o seguinte. Eu estou lá, levando minha vida, fazendo tudo da melhor forma que posso e feliz, bem feliz com meu mundinho cuidadosamente planejado quase, quase perfeito. Tudo vai muito bem, vejo o sucesso no trabalho, nas relações, enxergo meu amadurecimento em alguns aspectos e pontos que ainda preciso aperfeiçoar, as coisas vão acontecendo, coisas boas, meus sonhos tomando forma e eu acreditando. Até que, num átimo, o universo congela. Tudo fica sem movimento algum e a felicidade tranquila de ver tudo acontecendo é substituída por um tédio tenso, temperado pela sutil mania de perseguição que me é característica. Eu estou fazendo tudo errado. Aí, mais uma vez, surge a consciência de quem não deve nada e leva embora boa parte do desconforto. Mudo a ótica e consigo seguir em paz. Então os astros resolvem mais uma vez se manifestar e, todas as coisas boas e as relações em ordem dão lugar a crises e desapontamentos e raivas e desgastes desnecessários, tudo para de funcionar e, mais que isso, passa a funcionar mal. Mais uma vez, sou eu a grande vilã. Assim, tenho vontade apenas de sentar e chorar, ou dormir até que tudo se resolva, pois, devida àquela sensação de coração tranquilo, sei que vai se resolver. Entretanto agora, minhas falhas, ainda que menos graves, bem menos graves do que já foram um dia, vem à tona e me fazem pensar no caos que eu mesma estabeleci. O momento difícil é de responsabilidade inteiramente minha e nenhum aspecto diferente disso é contabilizado. São meus erros, minhas ingratidões, minha falta de sensibilidade ou crivo que construíram esse momento. Se tudo está ruim assim? Acho que não. Eu invento muito e também conservo uma megalomania crítica de mim mesma capaz de assustar os mais loucos. Pelo menos é só comigo.