terça-feira, 29 de julho de 2008

Fixação púrpura

Hoje, preparando o jantar, imersa em pensamentos gastro-literários, encontrei uma personagem que me levou a indagar qual fora o mote cantado aos deuses, em sua forma una ou plural, no momento da criação do mundo. Lá estava ele, espantando-se com minha pueril atenção dispensada a beleza tão cotidianamente esquecida. Lá estava ele, do cerne de sua púrpura existência, envaidecendo-se com o olhar de desejo da jovem dona de casa de avental vermelho. Lá estava ele, empalidecendo diante dos movimentos ameaçadores daquela mulher, que queria parti-lo, aquecê-lo, degluti-lo. Lá estava ele, feito em tantos pedaços, que não mais sabia se fora algo antes de cair no agudo fio daquela navalha em unhas vermelhas. Lá estava ele, afogado nas angústias dela, mergulhado em um calor desconhecido de seus genes antociânicos. Lá esteva ele, vendo seu sangue azul escorrer por aqueles longos dedos de mulher. Lá estava ele, partido, entregue a seus caprichos apimentados. Lá estava ele, exposto ao paladar de outros. Lá estava ele, observando o prazer nos olhos dela. Lá estava ele, repolho roxo, tão belo a meus olhos de poeta que, seguindo a lógica do socialismo biológico, não poderia, de fato, ser aprazível a meu fino paladar linguístico.