sexta-feira, 26 de junho de 2009

Reforma ortográfica

É interessantíssimo como, por conta de meu trabalho, as pessoas procuram-me cheias de dúvidas a respeito das novas regras da ortografia oficial, dizem ficar receosas ao escrever pois pode haver algum detalhe que tenham deixado passar. Minha resposta é sempre a mesma: não se preocupem, elas serão absorvidas naturalmente. De fato, não me preocupo. Sei que, se necessário escrever oficialmente, bastará consultá-las, fora isso, deleito-me em meu direito de relaxar. Sempre achei charmosíssimos os clássicos manuscritos de meu avô, revisor por mais de meio século, brilhante intelectual, que conservava as flôres que amava, por isso sinto-me livre para, fiel a uma doce memória de infância, conservar nosso vôo ao escrever para quem amo.

Don´t blame it on the good times

Era o plano para minha próxima tatuagem: uma silhueta black-power dançando dentro de uma estrela, acompanhada da frase " Blame it on the boogie", talvez nas costas para que as pessoas realmente vissem e uma ou outra, talvez intrigada com o motivo daquela composição fazer sentido para mim, perguntasse o porquê. "É porque Michael faz sentido." E essa música prova minha teoria. Cada um de nós tem seu boogie, a princípio nos desagrada, sentimo-nos um tanto forçados, desconfortáveis, depois aquilo nos toma de tal maneira que precisamos nos entregar e perdemos o controle. Mas não parecia ser algo ruim, eu lembro, agora sei lá de mim e é tudo culpa desse incrivelmente maldito boogie. Visionária essa letra, não? Ou será que Michael faz tanto sentido que guiou a trajetória de sua vida por um de seus primeiros grandes sucessos, ainda menino, Jackson 5? Nós seres-humanos - pasmem, ele também era- fazemos isso com muito mais frequência que imaginamos, não fosse assim, as clínicas de psicólogos, psicoterapeutas e afins não estariam aí multiplicando-se aos bandos para resolver os traumas que nos impedem de evoluir ou, porque não, de crescer. Quantos e quantos de nós não construímos uma Neverland interior e decidimos continuar exatamente iguais para sempre? E fazemos uma tonelada de coisas idiotas por dia, somos imprudentes, sim, se não seguramos um bebê janela afora fazemos parecido e, se nunca fizemos, já vimos muitos fazerem. Dirigimos bêbados e isso é normal! Foi preciso uma lei para acabar com a palhaçada que, no entanto, também virou palhaçada. O cara era desequilibrado? Evidente que sim, alguém já viu um grande gênio normal? Uma vez que ser normal é seguir normas sociais impostas é impossível ser normal e absurdamente criativo e inovador ao mesmo tempo. E, vamos lá: nós não somos desequilibrados, não? Aí o moço ficou bege, branco, cinza; mudou o nariz , o queixo, o cabelo, ficou deformado; entupiu-se de analgésicos e morreu. Algo diferente do que vemos por aí? Nunca vi tanta gente que já foi bonita um dia destruída por plásticas e similares mal feitos ou feitos em excesso. Rémedios para amenizar qualquer espécie de dor? Quem nunca tomou que atire a primeira pedra. Morrer é consequência, isso é tranquilo. Aí ele teve casamento conturbado, sexualidade conturbada, foi ter filhos da enfermeira e foi pai solteiro. E? Sinceramente, conheço dúzias de pessoas que fizeram ou fazem todas essas coisas ou pelo menos bem parecido e não mudaram o panorama da música mundial, não se fizeram conhecidas universalmente por um talento impecável, não deixaram um legado sublimar, não construíram um mito com todo direito a sê-lo. Seja Michael louco, inconsequente, estranho, infeliz, seja Michael o que for, ele foi intensamente humano, daqueles que deviam nos encher de orgulho ao utilizar tudo o que tem de genialidade e se lançar ao mundo de peito aberto. Essa talvez seja a questão: peito aberto. Blame it on the boogie.