segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Retorno

Após todos os ciclones, tufões, terremotos, maremotos e toda a sorte de fenômenos naturais que assolaram minha vida nos últimos tempos, reparei em um fato importante: deixei de escrever. Evidentemente, em meio aos fenômenos, surgiram arco-íris, vi estrelas cadentes, contemplei o pôr-do-sol e começo a entender porque deixei de escrever: estava vivendo com uma intensidade cataclísmica.
Vivi cada minuto das 24 horas de cada dia, acabando por afastar-me da poesia que sempre moveu meus passos. Foi uma fase humana, inteiramente humana. Enxerguei minhas falhas, meus medos, minhas fraquezas, e também acertos, coragem e força, e notei que esses foram, sim, maiores que aqueles.
Essa fase humana rendeu uma colheita farta, aprendizado incalculável. Ri e chorei inteira, permiti que as emoções tomassem cada poro do meu corpo, endureci em certos aspectos, enterneci em outros, senti raiva, a raiva a qual eu não me rendia nunca. Mudei minha forma de ver a vida, mudei alguns valores que eu julgava perpétuos. Mudei como tem de ser.
Talvez a pessoa que eu era antes disso já tivesse se esgotado e uma nova gritasse desejando vir ao mundo. Metamorfose? Não. Renascimento. A metamorfose parece-me mais bela e indolor, lagarta, crisálida, borboleta, o preciosismo da natureza. O renascimento prediz dor, como no nascimento, abandona-se a proteção, o conforto, as amarras, parte-se para o desconhecido e tudo que podemos enxergar é uma luz tão forte que nos cega. Ao nascer, partimos cegos ao desconhecido.
E sem nenhuma garantia de que seremos pessoas melhores, sabemos apenas que há outro indivíduo dentro de nós que sempre esteve ali e agora toma forma e assume a frente de nossa vida. Como lidar com esse outro que sempre carregamos, mas nunca nos deixamos ouvir? Não importa, pois o outro agora não é mais outro, é o que sou e me conduz por mais uma etapa da aventura interminável de ser.
Avalio minhas atitudes hoje e, por vezes, me assusto: são minhas mãos, mas não meus gestos; é minha voz, mas essa fala me causa estranheza. E, aos poucos, isso se vai tornando normal, passo a me acertar com esse outro e a gostar dele cada dia mais. A gente tem se entendido bem, esse é mais racional que o outro, ao menos até onde o conheci, mas é mais justo, também. Carrega menos pedras, resolve mais, é mais prático talvez, mas ainda é doce, ainda traz o amor visceral, mas é mais cuidadoso e fere-se menos. Esse tem muita, muita coisa em comum com o outro, diria até que são a mesma pessoa se não fossem as absurdas e gritantes diferenças que os separam.
Mas algo os torna inseparáveis: ambos se construíram em uma alma de poeta, ambos tem a condição humana como transitória, e agora estão um pouco cansados, precisam voltar à poesia. A vida intensa pede uma pausa. A contemplação é necessária. Já fui longe. É momento de parar e arrumar a casa. Todos os meus tesouros já estão reunidos e em segurança, agora merecem atenção e cuidado. Recebo a poesia. Por isso, volto.

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