segunda-feira, 5 de abril de 2010

Reflexos humanos

"Às vezes me dá enjoo de gente, depois passa
e volto a ficar toda curiosa e atenta. E é só."
(Clarice Lispector)

Continuo surpreendendo-me com a forma com que certas coisas têm a capacidade de nos desconcertar. Sigamos aqui no singular, não sei de vocês, mas sei de mim e das coisas que fazem brotar em meu rosto o estático sorriso de plástico. Essas coisas podem ser quase nada, em geral ninguém nota, poucas pessoas talvez, mas quando elas surgem, desejo sair correndo, correndo mesmo, depressa, o mais depressa que eu puder para ver se corro mais que as coisas e elas desaparecem. Nunca corri. O fato é que via de regra essas coisas surgem sem que esperemos ou busquemos: caem sobre nós inesperadamente, desconstruindo nossas defesas. Isso deve acontecer, sim, com todo mundo, mas algumas pessoas são mais atentas, e são essas que as coisas procuram. Uma coisa, milhares de sinapses e pronto, tudo fica insuportavelmente claro. Dias atrás, mergulhada em mim, não gostei do que vi, não gostei de muitas coisas em nenhuma das direções que foram concluídas sobre mim. Mas então vejo o espelho, lembro-me daqueles de parques de diversões, que podem criar monstros disformes. E penso nas coisas e passo a gostar menos do espelho: ele pode não ser confiável. Desconfio do espelho e as coisas me desapontam, ou quem me desaponta é o espelho, uma vez que a coisa apenas existe, e ele a reflete. Penso sinceramente em abandonar o espelho, mas sei que tentarei de novo, tentarei encontrar nele um espelho plano, sem distorções, e sei que vou ainda tentar algumas vezes, mas a cada coisa mal refletida, perde-se o encanto do espelho. Creio que todos os espelhos são vis usurpadores disfarçados das coisas. Roubam o que é posto em sua frente, talvez por covardia. Desejo profundamente, esta noite, que o espelho reflita, como deve ser. Reflita como deve ser.

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