sexta-feira, 29 de outubro de 2010

As grandes mulheres

Aprendi já adulta, já tendo encontrado 2 ou 3 cabelos brancos que, graças à genética, demoraram muito a aparecer e ainda são raríssimos, a apreciar e deleitar-me com grandes mulheres, aquelas que enchem nossos olhos e nossos corações de ternura e fé.

As grandes mulheres não são arquetípicas, pelo contrário, são comuns, camuflam-se na multidão, pois tem a grandeza de espírito de manterem-se anônimas para não constranger mulheres simplesmente ordinárias, mas as grandes mulheres são poucas e, às vezes, se encontram e surgem flores ou faíscas, mas algo sempre acontece como num encontro de titãs. As grandes mulheres se reconhecem e, mais ou menos hora, reúnem-se em um clã misterioso. As grandes mulheres tomam chá.

Grandes mulheres são gigantes e fortes, quando delgadas, são fortalezas delgadas, belas e doces cerejeiras que resistem a intempéries e alimentam, outras são cedros, mas de almas delgadas, talvez seja essa a idiossincrasia das grandes mulheres, dentro delas habita a dualidade de ser pedra e onda, fogo e terra, de ser céu.

Sempre fui cercada por grandes mulheres, queria ter dito isso desde cedo a minhas primeiras grandes mulheres, quando as tinha todas reunidas à mesa da cozinha. Eu não era grande, era pequena, e não conseguia ver sua magnitude, não tinha altura e sempre foi mais simples enxergar os grandes homens que tinha à minha volta, grandes eles também, mesmo, porém não volatizavam como as grandes mulheres que lá estavam, que se faziam pequenas e frágeis para ocupar o lugar que os grandes homens construíram para elas, entretanto, esses lugares serviam por tempo determinado, como Alice elas voltavam a crescer e não cabiam mais.

Nasci e fui criada por uma grande mulher e sei que ela continua me criando, cada dia de saudade ou de encontro faz-me pensar e me alimenta. Grandes mulheres tem seus papéis, são belas bruxas cada uma com sua missão. A grande mulher que me deu o mundo é gigantesca sendo mãe. Ela cuida e briga com o mundo por sua cria, tenham eles 2 anos e usem gorro na praia, 17 e acreditem que o mundo é uma farsa, ou 30 e estejam mudando tudo, rompendo paradigmas e voando, ou aprendendo a ser pais. Lá está ela, vivendo cada dor e cada insegurança como se fossem dela, e acredito de fato ser dela a dor maior, porque ela é grande e sabe que suporta.

Demorei para compreender a grandeza de minha mãe, mas, Deus, ela é maior, muito maior do que penso poder ser um dia. Ela foi mãe, mãe em tempo integral, e ainda encontrava tempo para ser esposa, também em tempo integral, administrar uma carreira da qual sempre me orgulhei enormemente, ser mulher, conservar suas grandes mulheres por perto e ser linda. Lembro-me de peripécias de grandes mulheres que em minha mãe eram cotidianas, buscar e levar filhos na escola, no inglês, na aula de piano, cuidar da mãe, do pai, do marido, da sogra, do sogro, da casa, das unhas, dos cabelos, do peso, da pele, da cabeça, da carreira, dos sonhos, dos planos, e reservar as tardes de sexta- feira para estar conosco, e descascar laranjas perfeitamente, em uma fita longa e sem quebras, sentada à porta da cozinha na casa de meus avós, onde ela cresceu, após o almoço de domingo. Lembro-me de seu cheiro, do perfume que ela deixou de usar, talvez por conta da enxaqueca (grandes mulheres sempre tem uma fraqueza contra a qual elas lutam arduamente), lembro-me de vê-la saindo bela, elegante, dura e doce. Lembro-me de um poncho de tricô que ela fez pra mim, criando um tempo que não existia, e cuja lã com perfume que escolhi atacava sua fraqueza, mas ela foi até o fim. Usei aquilo por anos, de alguma forma sentia que me deixava forte, protegida, perto dela.

A elegância de minha mãe comovia, a mesma elegância com que hoje ela mistura tintas para pintar caixas e amanhã brincará com seu neto. A elegância com que ela sofre ou sorri, a elegância com que ela realiza sonhos de menina. Foi antes de tudo minha mãe quem me ensinou a ser mulher, feminina e forte. Aprendi tarde essa lição, há pouquíssimo tempo deixei de ser menina, mas sei que aprendi bem.

Essa grande mulher foi quem guiou meus passos até onde pôde e, ao lado de um grande um homem, o maior deles, parou em dado momento, com o coração partido e as mãos trêmulas e me deixou seguir sem apoio, bicicleta sem rodinhas, para que eu decidisse para onde eu iria, cambaleante, aparentemente sem rumo, mas no fundo, a minha grande mulher sabia do bom trabalho que havia feito.

Aprendi com ela a ser grande, fugir da sombra, não ter medo do escuro, nem do tempo, nem das rugas, aprendi que é necessário sempre ser o melhor que se pode pois, ainda assim, nos cobraremos, aprendi a cozinhar, embora ninguém no mundo tenha seu tempero, aprendi a caminhar de costas retas e controlar meu tom de voz, aprendi a ser feliz sem ser chata ou boba, aprendi a me olhar no espelho por todos os ângulos antes de sair de casa, aprendi também que nada disso é mais importante do que aquilo que tenho por dentro. Aprendi a gostar de mim quando mereço e a me cobrar quando estou aquém do que posso ser. Acima de tudo, aprendi o que é amor.

Do alto de minha arrogância, levei tempo para enxergar a complexidade da minha maior mulher, mas enxerguei. De repente tudo surgiu claro diante de meus olhos e tive uma vontade maior que o mundo de abraçá-la e aninhar-me em seu colo para chorar de gratidão e amor. E como no clã das grandes mulheres, hoje nós, minha mãe e eu, podemos juntas apreciar uma longa xícara de chá, enquanto, respeitando nosso acordo velado de espaços, falamos da vida, de forma simples ou cortante, pois hoje sei que, com todas as semelhanças físicas e subjetivas e diferenças extremas que constroem elevações, ao olhar para mim, minha mãe encontra sua filha, também uma grande mulher.


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