Manhã de domingo. Lá fora, todo frio de São Paulo. Correr? Agora? Afundo ainda mais no edredon. Boa sorte. Viro pro lado, mas é tarde pra tentar dormir de novo, meu talento especial pra encontrar objetos perdidos (ou apenas guardados) é solicitado. Meu marido parte pra corrida, eu parto para um café, sem leite e sem açúcar, aliás, sem pão e sem graça, carboidrato só na terça, maldita dieta. Vou pra sala, ligo o computador, Graciliano Ramos. Eu já sei um pouco sobre ele e suas Vidas Secas, e também fascina-me a cachorrinha Baleia, mas meu aluno ainda não, então vamos lá.Uma página, uma única página, milhares de idéias e uma mísera página, mas quem disse que elas querem vir pro mundo? Ligo a TV, desligo a TV, ligo e desligo o som, passa-se um par de horas... nada. Pior que não saber o que escrever é não conseguir escrever o que se sabe. Resolvo dar um tempo e respeitar o timing das minhas idéias. Lavo a louça do café, arrumo a cama... concluo que o melhor é começar de novo. Tudo muda após um banho escaldante. Espelho, engordei, um único deslize nessa dieta insana... devia ter ido correr. Olho o shampoo da promoção, meu cabelo nunca foi muito amigo de produtos promocionais, mas há momentos em que é melhor aceitar o caro barato do que comprar a briga, só hoje, mais tarde resolvo. Vou ao espelho e vejo meus olhos ainda inchados pela noite longa de sono profundo e idéias oníricas e barulhentas, não importa, lentes de contato. Decido deixar de lado o moletom confortável e opto por algo menos macio, talvez o conforto da roupa contribua para que as idéias não saiam pro mundo. Encontro a roupa menos confortável, está amassada. Será que Levi Strauss passava suas roupas antes de ir pro caldeirão? Descubro que a roupa menos confortável que já não está mais amassada está larga, a dieta está funcionando. Meu cabelo... em meia hora verei os efeitos do shampoo promocional. Agora, outro café e Graciliano... mas meu marido chega com vídeo clipes bizarros, We’re the world e as vidas secas esperam de novo. Fim, voltemos ao realismo.
Volto ao computador, pego meu café, ligo o som, e começo de novo. Penso em tantas coisas ainda, que é difícil me concentrar na cachorra de Fabiano, só uma página, já escrevi dezenas sobre isso, por que uma está sendo tão difícil? E ainda tem a Alice, o Gato, o Chapeleiro... as idéias estavam prontas mas se perdiam na ponta dos dedos. Vamos almoçar, não é que todo mundo teve a mesma idéia? Prometo pra mim mesma nunca mais pisar em uma praça de alimentação de shopping center, mas ontem disse a mesma coisa e cá estamos nós: eu,meu grelhado e minha salada sem crouton procurando uma mesa. Mais um café e invento querer um vestido daqueles que só existem na minha imaginação e meu marido adora porque sabe que não encontrarei nesse mundo. Vou embora sem o vestido. Supermercado, a melhor opção possível vem da terra de seu George, abstraio de questões da política externa e sigo as compras. De volta pra casa e pra Graciliano, agora não tem mais jeito. Ouço apresentadores dominicais na TV, demais pra mim, mudo de lugar, respiro e consigo algo, desorganizado, mas ali está, amanhã ajeito. Missão quase cumprida. Agora só preciso esperar ansiosamente o fim do domingo, há tanto a ser feito, dito, escutado na segunda-feira. Espirro essa crônica pela ponta dos dedos e penso em dormir, amanhã ajeito essa também, penso em mais um punhado de coisas que não consigo silenciar e sei que vou dormir pensando, acordar pensando, sei que amanhã é outro dia ... e ainda estarei pensando.
A/C Aisha
Há 5 anos
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